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Riscos de corrupção no setor energético de Moçambique

Consulta

Indique um resumo dos principais riscos de corrupção e possíveis medidas de mitigação no setor energético de Moçambique. 

Introdução

Moçambique está categorizado como um país de baixo rendimento97a4e89ef82a sendo que cerca de dois terços dos seus 33 milhões de habitantes vivem e trabalham em áreas rurais (Banco Mundial 2024). Tem muitos recursos naturais e espera-se que o recente interesse global no seu setor energético528a4fe0b3ef possa desempenhar um papel importante na promoção do crescimento económico do país (African Development Bank Group s.d.). Em 2023, o Produto Interno Bruto (PIB) de Moçambique cresceu cerca de 5%. Este crescimento foi fomentado principalmente pelo início da produção de gás natural nas instalações offshore do Coral Sul (Banco Mundial 2024).

No entanto, até à data, os benefícios retirados dos recursos naturais não foram distribuídos de forma uniforme e Moçambique continua aquém de se tornar num país de rendimento médio (Gaventa 2021). Existem desigualdades espaciais profundas entre as regiões subnacionais, incluindo em matéria de acesso a serviços básicos, como educação, saúde, água e eletricidade (Banco Mundial 2024; Cotton, Kirshner e Salite 2019). Apesar dos progressos recentes, estima-se que o acesso da população em geral à eletricidade seja de 41% (Banco Mundial 2023). Em áreas rurais, este número é ainda mais baixo, com apenas 8% da população com acesso à eletricidade (Banco Mundial 2021).

Existem diversos desafios que afetam o desenvolvimento de Moçambique. A desaceleração do crescimento associada à pandemia da Covid-19 foi agravada por um conflito em curso na província rica em gás do nordeste de Cabo Delgado (African Development Bank Group s.d.). Uma década após o escândalo da dívida oculta,69cbd38feaf4 a perceção de corrupção continua a ser uma questão relevante na governação, sendo que o país se encontra na posição 145 de 180 países no mais recente Índice de Perceção da Corrupção (Transparency International 2023).

O setor energético é vulnerável à corrupção, em especial à corrupção política e captura regulatória, o que desacelerou o crescimento e impediu o acesso da população em geral aos benefícios do vasto potencial de recursos e energia verde de Moçambique. A corrupção afeta o setor em todas as fases, desde a exploração, extração de recursos e produção, até à fase de transmissão e distribuição da eletricidade. As elites políticas e os seus negócios consolidaram o poder sobre a regulação e as rendas obtidas do setor energético. Em simultâneo, as grandes multinacionais têm influência no setor devido ao seu poder económico. Apesar de existirem compromissos recentes do governo moçambicano para garantir a integridade do setor e salvaguardar os lucros para a população em geral, tal como através da criação do Fundo Soberano e de um registo online para licenças de exploração mineira, ainda há espaço de melhoria.

O estado atual do setor energético em Moçambique

Enquanto exportador líquido de energia, considera-se que Moçambique tem o maior potencial de produção energética do sul de África. Os principais destinos das exportações são os vizinhos África do Sul, Zimbabué, Zâmbia e Botsuana (IEA 2021; OEC s.d.; Deloitte 2024). Moçambique tem também um enorme potencial associado ao desenvolvimento de fontes de energia verde, tal como energia solar, eólica e hidroelétrica (Lopes 2024).

Figura 1: Toda a energia produzida ou importada para Moçambique (exceto a energia armazenada). Algumas das fontes energéticas são utilizadas diretamente enquanto a maioria é transformada em combustível ou eletricidade para consumo final

IEA 2021.

A produção elétrica doméstica de Moçambique depende largamente da energia hidroelétrica, que representa cerca de 77% de toda a energia produzida (Cotton, Kirshner e Salite 2019). Não obstante, tal como indicado na Figura 1, apesar de Moçambique ser um exportador líquido de energia, a maior parte da população de Moçambique continua altamente dependente de biocombustíveis e resíduos, o que geralmente consiste na queima de lenha e carvão (União Africana s.d.). O setor da lenha para combustível no país é informal, mas é eficiente em matéria de custos para famílias com baixos rendimentos (Salva Terra 2022).

O setor energético tem um longo historial de recolha de interesse e financiamento de investidores estrangeiros, grande parte com origem na barragem de Cahora Bassa.A construção da barragem começou em 1969, inicialmente financiada pelo governo colonial português e mais tarde financiada em parte por investidores sul-africanos. Em 1975, foi assinado um acordo entre Portugal e a Frelimo, o partido do governo de Moçambique, para conceder à Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) (uma paraestatal portuguesa) os direitos de gestão de 82% da barragem até Moçambique conseguir pagar a dívida de construção (Isaacman 2012). Uma vez que a dívida só ficou paga em 2007, a empresa portuguesa manteve o controlo efetivo da barragem e negociou a venda da maior parte da respetiva eletricidade à África do Sul (Isaacman 2012).

Atualmente, a barragem de Cahora Bassa fornece cerca de 25% da eletricidade fornecida pelo estado à população em geral. A maior parte da eletricidade produzida pela barragem continua a ser exportada para a África do Sul (Cotton, Kirshner e Salite 2019; Kirshner et al. 2019). A central hidroelétrica moçambicana de Mphanda Nkuwa foi desenvolvida por investidores chineses e, mais recentemente, com o apoio dos investimentos franceses liderados pela EDF (Conrad, Fernandez e Houshyani 2011: 45; Reuters 2023).

Moçambique tem também a maior reserva de gás natural da África subsariana (Deloitte 2024). O gás natural foi descoberto pela primeira vez em 1961 no campo de gás Pande, levando o governo moçambicano a assinar um acordo com a África do Sul para permitir a entrada do seu gás no mercado sul-africano (Gqada 2013). Desde então, foi encontrado gás natural em duas outras áreas: na bacia de Rovuma na costa da província de Cabo Delgado e na bacia de Moçambique (Gqada 2013). Após a descoberta de gás em Cabo Delgado, com o licenciamento para exploração concedido às petrolíferas multinacionais Andarko (que mais tarde vendeu os direitos à Total) e Eni (Itália) (Gqada 2013: 10).

Em maio de 2024, o Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME) assinou contratos de concessão para a exploração e produção petrolífera com a China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) para blocos offshore na província de Nampula (The Maritime Executive 2024). Este envolvimento de grandes multinacionais é indicativo de uma grande alteração na economia política da energia a partir do ano 2000, quando o governo abriu a economia a investimentos estrangeiros de grande dimensão no setor dos recursos de extração (Cotton, Kirshner e Salite 2019). O governo moçambicano solicitou abertamente mais investimento chinês na indústria elétrica para apoiar o desenvolvimento de infraestruturas e projetos hidroelétricos (Fórum de Macau 2018). Em 2023, China National Petroleum Corporation (CNPC) assinou um acordo-quadro de cooperação com a Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) para trabalharem em conjunto no "objetivo estratégico a longo prazo de cooperação em matéria de petróleo e gás entre a China e Moçambique" (CL Brief 2023).

Considera-se que Moçambique está num bom patamar para gerar energia verde, dada a abundância de recursos hidroelétricos, eólicos e solares (African Development Bank Group 2023). A Estratégia de Transição do governo comprometeu-se com um investimento de 80 mil milhões de dólares americanos em energias renováveis (Howe et al. 2024). Os projetos atualmente em curso incluem a central solar Cuamba II na província de Niassa e os novos projetos de energia eólica em Inhambane e Namaacha (O País 2024).

Principais intervenientes

Tabela 1: Principais intervenientes e respetivo papel no setor energético moçambicano

Categoria

Interveniente

Descrição

Partido no poder

Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique)

Originalmente um movimento de libertação que obteve a independência do governo colonial português em 1975, este partido está no poder desde então (Hanlon 2020).

Ministérios

Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME)

Responsável pelo planeamento da estratégia energética do país e o seu órgão central, a Direção Nacional de Energia (DNE) conduz análises e preparação de políticas energéticas e o licenciamento de instalações elétricas (Proler s.d.). É responsável pela supervisão da autoridade reguladora (ARENE) e controla as atividades e licenças mineiras (FMI 2019).

Ministério da Economia e Finanças (MEF)

O MEF é responsável pela formulação e implementação da política económica e financeira do país. No âmbito do setor energético, o ministério desempenha um papel importante na alocação de recursos, gestão de rendimentos do setor e promoção de investimentos.

Agência reguladora

ARENE

A ARENE é supervisionada pelo MIREME e é responsável pela regulação dos subsetores (incluindo os resultantes de qualquer fonte de energia renovável, combustíveis líquidos, biocombustíveis e a distribuição e comercialização de gás natural), garantindo o cumprimento da legislação, regulamentos e outras normas e a suspensão de contratos sempre que necessário (Cotton, Kirshner e Salite 2019: 11; ERRA s.d.).

Agências governamentais

Instituto Nacional do Petróleo (INP)

O INP é responsável pela regulação, supervisão e promoção da indústria do petróleo e gás em Moçambique. As suas funções incluem a concessão de licenças de exploração e produção bem como garantir que as operações são conduzidas de acordo com as leis e os regulamentos moçambicanos.

Instituto Nacional de Minas (INAMI)

O INAMI regula a exploração e a produção de recursos minerais em Moçambique. Está envolvido na emissão de licenças de exploração mineira, na supervisão de atividades mineiras e na garantia de que as práticas mineiras são sustentáveis e benéficas para a economia do país.

Autoridade Tributária de Moçambique (AT)

A AT é responsável pela administração e coleta de impostos em Moçambique. No setor energético, a AT garante que as empresas de recursos energéticos e naturais cumprem as respetivas obrigações fiscais, contribuindo assim para o rendimento público.

Tribunal Administrativo

Supervisiona a contratação pública e audita as despesas governamentais.

Empresas públicas

Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH)

É o ramo comercial do governo no setor do petróleo e gás e está envolvida em toda a cadeia de valor do gás natural (Frelimo et al. 2020).

Electricidade de Moçambique (EDM)

Empresa estatal de utilidade pública responsável pela produção, aquisição, transmissão, distribuição e venda de eletricidade, bem como pela gestão da Rede Nacional (Proler s.d.)

Fundo de Energia (FUNAE)

O FUNAE fornece energias renováveis fora da rede em áreas rurais e produz energia de baixo custo (Kirshner et al. 2019; Proler s.d.).

Hidroeléctrica de Cahora Bassa

Uma empresa pública de produção de energia hidroelétrica.

Multinacionais

Eni (Itália), ExxonMobil, Chinese National Petroleum Company (CNPC), China National Offshore Oil Corporation (CNOOC), TotalEnergies (França), Mitsui & Co (Japão), Bharate Petroleum (Índia) (LNG Moçambique s.d.; Gqada 2013)

Diversas empresas internacionais e multinacionais envolvidas na produção de energia hidroelétrica e gás natural em Moçambique.

Principais desafios

O panorama político de Moçambique é dominado pelo partido do governo, a Frelimo, que está no poder desde que o país conquistou a sua independência de Portugal em 1975 (Hanlon 2020). A Frelimo foi acusada de transgressão grave durante as eleições presidenciais pelos observadores da UE e dos EUA (Hanlon 2020: 495-6). O poder está concentrado nos membros do partido, com ligações estreitas entre o partido, o estado e o setor privado (Salimo, Buur e Macuane 2020).

O poder político está centralizado em Moçambique com o presidente à frente dos sistemas vitais do país: o setor público, o sistema jurídico e o setor privado (CIP 2021: 63; BTI 2020). Tal permite que qualquer indivíduo próximo do presidente usufrua de privilégios, enquanto outros segmentos da sociedade ficam excluídos (Cortes 2018 citado em CIP 2021). Existe uma capacidade limitada nos ramos legislativo e judicial para exigir responsabilidades ao executivo, uma vez que o sistema judicial está dependente financeira e materialmente do governo (BTI 2024: 12). Os titulares de cargos públicos judiciais são formalmente independentes, mas são em simultâneo altas patentes do partido, o que afeta a independência e impede um controlo eficaz (BTI 2024: 12).

As indústrias de extração representam uma parcela substancial da economia (BTI 2024: 18). Frequentemente, a linha que separa o público do privado não é clara, uma vez que os interesses económicos domésticos relacionados com a Frelimo influenciam as decisões governamentais (Freedom House 2021). Os financiadores e investidores também têm uma forte influência na política económica e na reforma do setor público nacional, uma vez que são os outros grandes contribuidores para a economia (Freedom House 2021; Flentø e Santos Simao 2020: 1). Por exemplo, a legislação em matéria de hidrocarbonetos de petróleo em Moçambique não pode ser alterada nos próximos 35 anos sem autorização da Electricidade de Moçambique (EDM) e da TotalEnergies (Cascais 2023). Isto exemplifica a influência política das empresas domésticas e estrangeiras.

Outro dos grandes desafios que afeta o setor energético é o legado do passado colonial de Moçambique. O país continua largamente moldado pelo colonialismo sob o governo português que deixou o país marcado com o tráfico de escravos e uma repressão civil e política brutal exercida pelas autoridades portuguesas (Cotton, Kirshner e Salite 2019). Esta página da história afetou o fornecimento de eletricidade ao país atualmente, uma vez que durante o período colonial as regiões foram divididas deliberadamente entre as diferentes companhias comerciais que controlavam a economia de cada região de forma autónoma (Cotton, Kirshner e Salite 2019; Pereira 2022).

Sob o governo português, as regiões do norte, centro e sul foram divididas em áreas separadas governadas por companhias comerciais (frequentemente britânicas), que dificultaram a possibilidade de uma estratégia e infraestrutura de desenvolvimento nacional integrada (como estradas e linhas de transmissão de energia), associando regiões do país a outros países e não às regiões do interior moçambicano (Cotton, Kirshner e Salite 2019: 9). Tal resultou numa rede elétrica fragmentada com distribuição desigual, dividia em três sistemas distintos.

Após o final do governo colonial, foi importante para as classes políticas obterem o controlo das fontes e infraestruturas energéticas do país para reafirmar a sua independência e estar à altura das expectativas de progresso e modernização (Showers 2011 citado em Kirshner et al. 2019). Em 1995, a EDM começou a alargar a rede doméstica com o apoio da comunidade de financiadores, parceiros regionais e investimento estrangeiro (Cotton, Kirshner e Salite 2019: 9). Entre 2020 e 2024, estes financiadores incluem o Banco Mundial, o KfW Development Bank, o governo da Noruega, a Agência francesa de desenvolvimento (AFD) e o ASDI (Alberto et al. 2020: 56).

No entanto, em parte devido às divisões profundas criadas durante o período colonial, a rede elétrica moçambicana continua a contornar as áreas rurais habitadas essencialmente por grupos com baixos rendimentos, tornando Moçambique num dos países com uma taxa de acesso à eletricidade mais baixo do mundo (Cotton, Kirshner e Salite 2019). Outros desafios incluem o facto de as infraestruturas, incluindo as linhas de transmissão, serem ineficientes e antigos, o que contribui para falhas de energia frequentes em todo o país (Salite et al. 2021).

Um outro desafio importante é o facto de uma grande parte da eletricidade produzida em Moçambique ser exportada e não consumida internamente, o que distorce as prioridades no setor. Isto não é o único caso em Moçambique. Estima-se que 89% do gás natural líquido dos novos projetos de infraestruturas em países africanos seja exportado para a Europa, levando os peritos a questionar quanta eletricidade desde projetos é distribuída pelos cidadãos nos países produtores (Younes 2022).

Devido a um acesso desigual e/ou a baixos rendimentos, uma parte substancial da população depende de carvão como fonte energética (Salva Terra 2022). O impacto do carvão é ambivalente, a sua produção pode provocar uma deflorestação descontrolada e alterações no ecossistema mas, em simultâneo, as famílias dependem dele para cozinhar e para se aquecerem (Salva Terra 2022; Luz et al. 2015). A análise das cadeias de fornecimento de carvão concluiu que os produtores e as comunidades locais são quem menos beneficia da cadeia de valor e que os lucros são gerados pelos produtores externos (Luz et al. 2015). O carvão é produzido, processado e transportado informalmente, fora das estruturas legais, dificultando o trabalho na sustentabilidade e na regulação do setor (Salva Terra 2022: 11). Todavia, existem algumas tentativas de regular a atividade. Por exemplo, a venda e o transporte de carvão estão regulados ao abrigo de uma nova lei (n.º 17/2023).

A maior parte da eletricidade produzida através de energia hidroelétrica em Moçambique é exportada para a África do Sul ao abrigo de um contrato de compra de energia a longo prazo (Power Purchase Agreement, PPA) entre a Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) e a empresa energética de utilidade pública (Eskom), que se mantém em vigor até 2029 (Cotton, Kirshner e Salite 2019). Vender a maior parte da eletricidade produzida através de energia hidroelétrica à África do Sul significa que as empresa estatal de utilidade pública, a EDM, tem de comprar eletricidade a outras fontes energéticas, frequentemente com tarifas superiores. Isto alegadamente sobrecarregou as finanças da EDM e limitou a sua capacidade de financiar o alargamento e a manutenção da rede (Cotton, Kirshner e Salite 2019). O fornecimento de eletricidade a instituições públicas também é uma prioridade e o custo de ligação de habitações de baixo rendimento e rurais é extremamente elevado. Salite et al. (2021) indicam que a EDM tem uma dívida crescente, afetando cada vez mais a sua capacidade de garantir serviços fiáveis, de qualidade e a um preço acessível.

Globalmente, o Banco Mundial (2023) concluiu que o crescimento económico em Moçambique não foi inclusivo e não resultou numa redução da pobreza generalizada. Na sua análise, tal decorre do facto de o crescimento económico ter sido impulsionado maioritariamente por megaprojetos das indústrias de extração e investimento estrangeiro direto (FDI), o que gerou oportunidades de emprego limitadas para os habitantes locais724886c5eccd (Banco Mundial 2023).

Riscos de corrupção no setor energético de Moçambique

Corrupção política

Os países ricos em recursos, especialmente os previamente colonizados, tendencialmente têm taxas de conflitos e autoritarismo superiores e níveis de crescimento económico mais baixos, um fenómeno descrito como a "maldição dos recursos" ou o "paradoxo da abundância" (NRGI 2015). A investigação sugere que, mesmo em períodos de descoberta de recursos naturais, pode surgir corrupção e prolemas económicos, especialmente em países sem instituições financeiras e sistemas jurídicos fortes (Younes 2022; Mihalyi e Cust 2017). Isto é conhecido como a "pré-maldição dos recursos", que ocorre no período entre a descoberta dos recursos naturais e a produção e gera expectativas exageradas dos rendimentos que serão gerados (Dupuy e Katera 2019).

Em 2013, bancos europeus e russos, a empresa de auditoria Ernst and Young, um empresário franco-libanês e funcionários moçambicanos obtiveram 2 mil milhões de dólares americanos em empréstimos secretos (equivalente a 12% do PIB) sem a aprovação do parlamento moçambicano (Wensing 2022). Os empréstimos destinavam-se à segurança marítima e à indústria de pesca do atum, no entanto, foram desviados milhões em subornos e pagamentos corruptos pelos funcionários e os projetos seguintes não geraram qualquer benefício para o país (Wensing 2022). O escândalo de corrupção de "dívidas ocultas" em Moçambique foi associado ao desenvolvimento do setor energético e à descoberta de grandes quantidades de gás natural offshore (Wensing 2022; Younes 2022).

Os relatórios referem que os empréstimos foram altamente influenciados pela expectativa de que os rendimentos do gás permitissem pagar os empréstimos efetuados (Wensing 2022). Com a corrida das multinacionais petrolíferas à criação de novas reservas de combustível, os funcionários moçambicanos utilizaram os empréstimos secretos para criar entidades comerciais que fornecessem serviços de estaleiro naval e segurança para estas multinacionais levarem a cabo o seu trabalho (Younes 2022).

Segundo o FMI, Moçambique vai demorar décadas a pagar estes empréstimos e o escândalo provocou uma crise económica no país levando à retirada dos financiadores internacionais (Cortez et al. 2019). Assim, Moçambique está mais dependente dos rendimentos do gás para pagar o aumento das prestações da dívida soberana (Cascais 2023). Está também a tornar-se claro que os projetos de gás natural estão associados a danos ambientais significativos. No entanto, os ganhos económicos dos combustíveis fósseis podem levar a classe política de Moçambique a ignorar estes riscos (Cascais 2023). A despesa pública (educação, saúde, etc.) também sofreu cortes superiores a 50% desde o escândalo de corrupção, levando a um aumento substancial da pobreza e desigualdade (Cortez et al. 2019a92fa2acabb5).

Conflitos de interesses

Muitas empresas de extração moçambicanas estão associadas à Frelimo e, por vezes, os membros do partido são descritos como "elites económico-políticas" (Yang 2021). A análise do Centro de Integridade Publica (CIP) (2022) identifica diversas empresas criadas para prestar serviços a multinacionais no setor do petróleo e gás. Muitas destas empresas revendem licenças e concessões para recursos naturais, que são posteriormente distribuídas junto de operadores internacionais por avultadas quantias (CIP 2022). O relatório do CIP (2022) refere que se tratam de empresas com rendimento com origem na captura de rendas (rent-seeking) que utilizam o monopólio político dos seus proprietários para gerar fontes de rendimento.

O antigo presidente de Moçambique (2005-2015) alegadamente tinha interesses comerciais alargados que incluíam as indústrias mineira e de extração (amaBhungane 2012). Através das empresas Intelec Holdings e Tata Moçambique, a sua família detinha sete licenças de prospeção e investigação mineira (Verdade 2014). Todas estas licenças tinham sido atribuídas pela Direção Geral de Minas quando o presidente obteve o seu cargo e a Intelect Holdings encontra-se no top 100 das maiores empresas moçambicanas (KPMG 2021).

No entanto, muitas das empresas mineiras que operam em Moçambique estão registadas fora do país, especialmente nas Maurícias (consideradas um paraíso fiscal) (CIP 2021: 4). Assim, torna-se particularmente difícil identificar os verdadeiros beneficiários das concessões e verificar se a propriedade constitui um conflito de interesses (CIP 2021: 4).

A EDM, enquanto empresa pública (EP) tem uma ligação próxima à Frelimo e beneficia de um monopólio do mercado doméstico de eletricidade (Kirshner et al. 2019; Salite et al. 2021). As decisões são geridas centralmente na sede em Maputo em coordenação com o governo central. Tendencialmente, estas decisões dão prioridade a áreas de elevada procura em centros urbanos (Kirshner et al. 2019). Salite et al. (2021) refere que a influência do partido na operação e nos objetivos da EDM (sob o pretexto de viabilidade socioeconómica) afetou negativamente o trabalho da EP e permitiu a acumulação financeira para a Frelimo e as elites afiliadas.

Desafios no ambiente regulatório

O Índice regulador de eletricidade para África do Africa Energy Portal identifica independência, responsabilidade, transparência de decisões e participação como os principais pontos fracos da governação energética moçambicana. A lei não proíbe a nomeação de pessoas para o conselho de administração ou o cargo de CEO na autoridade reguladora da energia (ARENE) mesmo se já tiverem exercido cargos numa entidade regulada (ERI 2022). Também não existem requisitos legislativos para a ARENE dar resposta a pedidos ou participar em audições organizadas pelas comissões parlamentares e considera-se que o órgão tem baixa capacidade institucional (ERI 2022). Adicionalmente, o MIREME, que supervisiona a ARENE, atua como contraparte na assinatura de contratos, mas, em simultâneo, deve regular e supervisionar a sua implementação, o que constitui um outro conflito de interesses (CIP 2022).

De acordo com o CIP (2022), a legislação que regula as indústrias de extração também foi aprovada ou alterada de forma acelerada ao longo dos anos, causando omissões e imprecisões que podem deixar o setor exposto à corrupção. A legislação é complexa o que, alegadamente, gerou oportunidades para os funcionários responsáveis pela emissão de licenças, autorizações e outras aprovações formais para atividades comercial, receberem subornos (CIP 2022).

Processos de auditoria prévia inadequados por parte de investidores estrangeiros

As regulações ambientais têm sido negligenciadas pelos investidores estrangeiros e pelas multinacionais do setor e as interpretações livres da legislação geraram estudos de impacto ambiental questionáveis (CIP 2022). Alegadamente, estas regulações foram ignoradas ou aplicadas de forma inconsistente pelas instituições financeiras que fornecem financiamento aos projetos energéticos de Moçambique (GAN Integrity 2020).

Diversas ONG investigaram a função das Agências de Crédito à Exportação (ACE),fd1adeaeeb53 e identificaram irregularidades no processo de aprovação de financiamento público através de ACE de países que investiram no gás moçambicano. As ACE dos Países Baixos, de França, Itália, do Reino Unido e dos EUA aprovaram cerca de 9 mil milhões de dólares americanos em empréstimos, crédito e seguros para financiar os projetos de gás moçambicanos (Wensing 2022). As ACE tinham aplicado as medidas de auditoria prévia antes do financiamento do projeto, mas Wensing (2022) nota que as análises e avaliações de aprovação dos projetos não são claras. As ACE do Reino Unido e dos EUA garantiram o seu apoio no seguimento de uma insurgência violenta em 2017 na província de Cabo Delgado. A agência neerlandesa fê-lo um dia após um ataque violento em Palma em 2021, que levou a TotalEnergies a declarar um evento de força maior (Wensing 2022). Também notaram nas suas análises que os estudos de impacto climático efetuados pelas ACE não avaliaram devidamente, apesar dos avisos de peritos ao longo de vários anos sobre o investimento contínuo em gás natural (Wensing 2022).

Mutemba (2023) nota que a ausência de mecanismos de supervisão rigorosos no setor está a ser fomentada largamente por regimes de resolução de litígios entre os investidores estrangeiros e os Estados (RLIE) nas indústrias de extração, o que pode expor Moçambique a enormes responsabilidades financeiras. Estes regimes são mencionados nos contratos de investimento internacionais entre as autoridades públicas e os investidores estrangeiros nas indústrias do petróleo, gás e carvão. Em caso de litígio, o recurso contorna o sistema judicial nacional. O autor (Mutemba 2023) sugere que as cláusulas de RLIE podem afetar de forma grave novos regulamentos de interesse público em áreas como saúde, ambiente, direitos da comunidade ou proteções laborais. Do mesmo modo, Messenger (2024) defende que as cláusulas de RLIE podem prejudicar a transição dos combustíveis fósseis para combustíveis verdes. Apesar de não representarem um risco de corrupção por si só, as cláusulas de RLIE destacam a influência que os investidores estrangeiros podem exercer na regulação do setor energético.

O conflito territorial em Cabo Delgado (com origem nas desigualdades agravadas pela descoberta de depósitos de minerais e de gás natural) levou à deslocação das comunidades locais e pôs em causa a sua subsistência (ACAPS 2023). No entanto, continuam a ser atribuídas concessões mineiras na região a empresas, apesar dos problemas vigentes (CIP 2021). As concessões mineiras em Cabo Delgado estão concentradas num pequeno número de empresas registadas fora de Moçambique o que, segundo CIP (2021: 9) ajuda a distanciar as empresas do conflito em curso. As populações locais não têm beneficiado do setor mineiro, que continua em funcionamento e expansão, aumentando o risco de agravamento e deslocação na região (CIP 2021).

Corrupção nos contratos públicos

A contratação pública é considerada uma área de alto risco no setor energético em Moçambique na qual há inúmeros relatos de subornos e pagamentos ilícitos a funcionários políticos para garantir os contratos. Um estudo de 2019 do Banco Mundial concluiu que 13% das empresas na economia relataram ter pagado subornos ilícitos ou ter tentado garantir um contrato governamental no ano anterior (Banco Mundial 2019: 8):

Figura 2: Respostas ao inquérito do Banco Mundial (um em 2007 e outro em 2018) a perguntar às empresas se lhes foi pedido um suborno em Moçambique

Fonte: Banco Mundial 2019.

As empresas que operam em Moçambique constatam um favoritismo das empresas com ligações junto dos responsáveis pela contratação (GAN Integrity 2020). Alegadamente, é frequente as empresas energéticas detidas por figuras políticas ganharem contratos públicos sem concurso, para projetos como obras de eletrificação rural, substituição de cabos de alimentação e fornecimento de material elétrico (Nhamire, Mapisse e Fael 2019). Também são recorrentes contratos governamentais inflacionados devido à corrupção (GAN Integrity 2020). O gás foi vendido a empresas privadas a preços artificiais, grande parte do qual alegadamente controlado pelas fações no poder sob os governos de Chissano e Guebuza (Salimo, Buur e Macuane 2020).

Os grupos de interesses da Frelimo e as respetivas empresas de propriedade privada controlam o acesso do investimento estrangeiro assinando contratos com os investidores estrangeiros da sua escolha sem lançarem um concurso público concorrencial (GAN Integrity 2020; Yang 2021: 29). Assim, pode ser criado um ambiente turbulento para os investidores estrangeiros, tal como verificado durante o processo de negociação para a atribuição dos contratos de concessão do gás natural na Área 1/4 da bacia de Rovuma (Yang 2021). Três empresas estrangeiras deram início a um diálogo político com grupos de negócios de elite na expectativa de obter a preferência do governo, no entanto, estes grupos perderam o estatuto preferencial junto do presidente, o que resultou na atribuição dos contratos a terceiros (Yang 2021: 33).

Alegadamente, os contratos atribuídos a multinacionais pelo governo moçambicano estão envoltos em segredo (Tundumula et al. 2019). De acordo com as estimativas do CIP, o governo moçambicano não revela o valor total dos rendimentos provenientes da produção de gás natural gerada pela empresa sul-africana Sasol, uma vez que empresas como a Sasol têm cláusulas contratuais excessivamente generosas e não pagam os impostos justos ou devidos às autoridades tributárias (Tundumula et al. 2019: 106). Isto mostra que, por um lado, as multinacionais estrangeiras e os investidores estão dependentes do favorecimento político para obter contratos, mas também que exercem uma influência significativa para obter acordos contratuais favoráveis de modo a maximizar os seus lucros.

A expansão da produção de gás em Temane em 2012 deu ao governo moçambicano a oportunidade de renegociar a alocação de gás comercial (Salimo, Buur e Macuane 2020). Posteriormente, o MIREME atribuiu este gás comercial a quatro empresas: ENH, Electrotec, a central elétrica alimentada a gás em Ressano Gárcia (CTRG) e a Matola Gas Company (MGC) (Salimo, Buur e Macuane 2020). Salimo et al. (2020) escrevem que estas empresas têm "acesso limitado a capacidade financeira e conhecimento técnico para transformar gás em eletricidade" (Salimo, Buur e Macuane 2020). Os autores sugerem que estas empresas estão associadas a diferentes grupos na elite governativa associados ao grupo de interesses de Chissano que negociou o negócio de Sasol original e ao grupo de interesses de Guebuza durante os seus dois mandatos (Salimo, Buur e Macuane 2020). Segundo os autores, tal pode indicar que a elite da Frelimo abusou de entidades públicas para ganhos privados e utilizou-as como principal mecanismo para captura de rendas (Salimo, Buur e Macuane 2020).

Captura de rendas (rent-seeking)

As rendas incluem, sem limitação, "lucros de monopólios, subsídios e transferências organizados através do mecanismo político, transferências ilegais organizadas por máfias privadas, lucros excessivos a curto prazo obtidos por inovadores, etc." (Khan, 2010: 5 citado em Salimo, Buur e Macuane 2020). Existem relatos de que as rendas dos recursos energéticos são captadas por elites de negócios domésticas associadas à Frelimo que participam em projetos relacionados com a energia, tais como acionistas e parceiros locais de investidores estrangeiros (Macuane et al. 2018 citado em Kirshner et al. 2019). Os relatos indicam que a elite governativa utiliza este investimento posteriormente para apoiar a sua acumulação e para assegurar recursos para a Frelimo e as principais fações no poder (Salimo, Buur e Macuane 2020).

Pequena corrupção e corrupção no setor privado durante a distribuição

O relatório Economic Update 2019 do Banco Mundial concluiu que os pedidos de suborno em Moçambique estavam a aumentar e que surgiam mais frequentemente ao obter uma licença de construção ou de ligação elétrica (Banco Mundial 2019). Os pedidos de suborno aumentaram em comparação com 2007 e as taxas de pedido de suborno estão acima da média registada globalmente e na África subsariana (Banco Mundial 2019).

Alegadamente, a EDM tem sobrefaturado na aquisição de contadores e outros bens e serviços, sendo estas despesas cobradas aos cidadãos moçambicanos (Nhamire, Mapisse e Fael 2019). Estima-se que a EDM tenha gastado pelo menos 10 milhões de dólares americanos anualmente em sobrefaturação na aquisição de contadores, excluindo outras aquisições (Nhamire, Mapisse e Fael 2019). Adicionalmente, a investigação no terreno identificou que os técnicos da EDM têm solicitados "recompensas financeiras" aos clientes para serviços de reposição de energia se forem efetuados fora do horário de expediente (Salime et al. 2021). Os investigadores notam que esta corrupção de pequena escala está disseminada em Moçambique e não recebe "a devida atenção dos decisores políticos".

Os funcionários da EDM também foram acusados de corrupção e roubo de eletricidade no distrito de Massinga, na província do sul de Inhambane (Business & Human Rights Resource Centre 2023). Alegações de denunciantes indicam que determinadas partes da vizinhança tinham acesso privilegiado à eletricidade em prejuízo de outros (Business & Human Rights Resource Centre 2023). Também foram feitas acusações por residentes de que tinham de pagar subornos para garantir que tinham acesso à eletricidade nas suas casas (Business & Human Rights Resource Centre 2023). Desde então, a EDM tentou avançar com uma ação judicial por difamação contra o jornalista que relatou os subornos (Business & Human Rights Resource Centre 2023). O Media Institute of Southern Africa condenou esta ação, classificando-a como "intimidação e perseguição" (Business & Human Rights Resource Centre 2023).

Riscos de corrupção territorial

Há bastante tempo que a administração territorial é um setor vulnerável a corrupção em Moçambique e os direitos territoriais têm sido gravemente prejudicados por fatores como corrupção e ineficácia governamental (GAN Integrity 2020). A apropriação de terras9d7ea5e551b1 é algo frequente em comunidades com baixos rendimentos e é impulsionada essencialmente por investimentos nos setores agroalimentar, do turismo e mineiro (GAN Integrity 2020).

Em 2014, o governo moçambicano atribuiu terras em Palma, Cabo Delgado a empresas de extração (Queface 2023). A transferência de terras entre comunidades foi efetuada sem consultas da comunidade, estudos, nem emissão de licença ambiental (Queface 2023). Em Moçambique, a Lei Mineira estabelece o direito à terra para explorar determinados produtos (como exploração madeireira e mineira), mas estipula que deve ser paga uma compensação justa a quaisquer comunidades deslocadas (de Quadros s.d.). No entanto, o governo contornou esta lei e, em 2015, atribuiu o local à Andarko e à Empresa Moçambicana de Hidrocarbonetos (a petrolífera nacional) (Queface 2023).Foi relatado que o governo local foi deixado de lado durante estas negociações, que foram em grande parte conduzidas entre figuras do governo central e os investidores estrangeiros (Salimo 2020: 104). Esta situação deixou o governo local mal preparado para desempenhar o seu papel na proteção dos interesses e direitos da comunidade local durante as negociações para obter compensação (Salimo 2020: 104).

Em 2022, mais de metade das pessoas que foram forçadas a deslocarem-se de Palma (o que teve início em 2019) continuavam à espera da compensação a que têm direito (Wensing 2022). Isto contribuiu para um forte descontentamento e violência na área. Alegadamente, o projeto de gás natural também não criou os empregos prometidos para as comunidades locais, muitas das quais ficaram sem subsistência (Wensing 2022). Alegadamente, os jornalistas e as ONG que falaram sobre o conflito foram intimidados, detidos ilegalmente e mesmo torturados e assassinados, tornando impossível obter uma imagem clara da situação (Wensing 2022).

Existe também uma perceção de favoritismo na região para um grupo em detrimento de outro. Os diferendos pré-existentes em Cabo Delgado entre os Mwani (predominantemente muçulmano) e os Makonde, em grande parte cristãos, foram agravadas especialmente devido ao facto deste último grupo ter beneficiado economica e politicamente do governo da Frelimo (Bonate 2024: 22). Esta situação atingiu um momento crítico durante a eleição de um presidente Makonde, que supostamente "preparou o caminho" para os membros Makonde da Frelimo assumirem o controlo dos recursos naturais de Cabo Delgado, muitos dos quais não se encontram nas áreas históricas de Makonde, mas são nas áreas habitadas pelo Mwani e Makhuwa (Bonate 2024). Tal resultou na perda de terreno e em revolta da população, em especial dos Mwani muçulmanos, e gerou um enorme conflito na área que pode espalhar-se pelas províncias vizinhas (Bonate 2024).

As mulheres são um grupo especialmente marginalizado em matéria de propriedade de terra. Têm desvantagem no acesso à terra e a outros recursos naturais uma vez que os sistemas de governação da terra tradicionais (protegidos pela Lei de Terras moçambicana) apenas concedem às mulheres direitos secundários e acesso à terra através de um familiar do sexo masculino (Land Governance 2018). Apesar de a legislação reconhecer as mulheres como coproprietárias da terra comunitária, os sistemas tradicionais nem sempre seguem a legislação nacional, o que levou a que os homens detenham cerca de 80% das terras detidas pela comunidade (Land Governance 2018). Esta situação é um risco de agravar a marginalização das mulheres, especialmente quando a terra é um recurso raro no país, em parte devido ao número de aquisição privada de terras em grande escala impulsionado pela indústria de extração (Land Governance 2018).

O último projeto de central hidroelétrica, a barragem de Mphanda Nkuwa, também representa um risco de deslocação de cerca de 1400 famílias (Machado 2023). As comunidades locais disseram aos jornalistas que não tinham sido consultadas em relação ao projeto e que apenas tinham ouvido falar do mesmo através de fontes não oficiais (Machado 2023). Os membros da comunidade afirmaram que apenas vão abandonar as suas casas se receberem uma compensação justa o que, em 2023, ainda não tinha sido determinado pelas autoridades (Machado 2023). Além disso, de acordo com cientistas e peritos, os impactos climáticos e ambientais e o risco crescente de precipitação irregular podem inviabilizar o projeto (Machado 2023).

Por fim, o carvão é outra fonte de energia que gerou riscos na governação das terras no país. A análise indica que, apesar de existir legislação em vigor que assegura oficialmente os direitos e o acesso à terra e aos recursos para as comunidades locais e promove iniciativas de gestão baseadas na comunidade, estes planos e práticas são frequentemente prejudicados pela má gestão no setor florestal (Luz et al. 2015). Alegadamente, o setor florestal tem competências fracas, má supervisão, corrupção e falta de transparência (Luz et al. 2015).

Respostas para a corrupção no setor energético de Moçambique

Maior transparência

Nos últimos anos, o governo avançou no sentido de melhorar a integridade e transparência do setor energético em Moçambique. O Diagnostic report on transparency, governance and corruption (relatório de diagnóstico em matéria de transparência, governação e corrupção) mais recente do FMI é de 2019. Indica que foi adotado em Moçambique um quadro legislativo e institucional abrangente em matéria de governação e corrupção (incluindo a regulação de negócios e EP). No âmbito deste quadro, foram julgados com êxito alguns casos de alto nível (FMI 2019).

O governo também fez alguns avanços na melhoria da transparência, por exemplo, foi criado um registo online (Flexicadastre) para licenças de exploração mineira e este é de acesso público (FMI 2019: 23). No entanto, nem todos os contratos foram publicados e a atribuição de licenças de exploração mineira não foi sempre publicada de forma transparente e atempada (FMI 2019).

Em 2012, Moçambique obteve um estatuto de "conformidade" através da Extractive Industries Transparency Initiative (EITI), mostrando progresso na governação das suas indústrias de extração (GAN Integrity 2020). Entretanto obteve um resultado "moderado", com conquistas essenciais como envolvimento governamental na resolução dos desafios do setor de extração nacional (como a distribuição de rendimentos ao nível subnacional), maior transparência em matéria de EP e melhorias na abrangência das publicações EITI (EITI 2023: 4). Ainda existem diversas áreas de melhoria, especialmente em matéria de transparência nos contratos de energia. A EITI (2023) também concluiu que Moçambique agora cumpre os critérios para tornar todas as licenças e contratos subjacentes às atividades de extração de acesso público (EITI 2023).

Todavia, o relatório destaca que ainda existe preocupação relativa a cláusulas ou partes de anexos dos contratos que podem ter sido eliminados (EITI 2023). O Conselho de Administração da EITI determinou que não é permitido eliminar partes de cláusulas comercialmente relevantes de contratos (EITI 2023). As avaliações de impacto ambiental (AIA) e os relatórios de monitorização ambiental também foram indicados como sendo de difícil acesso (EITI 2023).

Na avaliação final do progresso de Moçambique na implementação da Norma EITI (2023), concluiu-se que a transparência em matéria de EP melhorou e que existe uma melhor compreensão do público em geral da função que as EP desempenham no setor de extração (EITI 2023). A comunicação da gestão de dados de rendimentos também melhorou (EITI 2023). É notado que os dados ao nível da comunidade devem ser mais acessíveis e que as possíveis barreiras à utilização da informação, especialmente em relação às avaliações de impacto ambiental, têm de ser resolvidas (EITI 2023).

Adicionalmente, o progresso em matéria de transparência de beneficiários efetivos foi limitado. Progresso nesta área representaria um passo importante no tratamento dos riscos de corrupção no setor de extração (EITI 2023). Assim, a EITI recomenda uma revisão do enquadramento jurídico e a criação de um registo público de beneficiários efetivos (EITI 2023), especificamente:

  • Garantir que existe um enquadramento jurídico e regulamentar em vigor para a recolha e divulgação pública de informações de beneficiários efetivos de todas as empresas que solicitem ou detenham licenças de extração.
  • Solicitar que todas as empresas com licenças de extração divulguem as informações de beneficiários efetivos, incluindo na fase de candidatura. Isto também deve incluir a identidade de quaisquer pessoas politicamente expostas.
  • Introduzir salvaguardas adequadas para garantir a fiabilidade e exaustividade destes dados. Efetuar avaliações regulares da exaustividade e fiabilidade relativas a todas as divulgações de beneficiários efetivos.
  • Indicar as entidades que não divulgaram as informações de beneficiários efetivos (EITI 2023).

Outra das principais recomendações feita pela literatura refere-se às cláusulas de RLIE nos contratos moçambicanos com empresas multinacionais. Salvatore e Gubeissi (2024) recomendam que o governo empreenda ações (quando possível) para remover as cláusulas de RLIE dos seus contratos e tratados e as substitua por mecanismos alternativos de resolução de litígios. Sugerem também implementar medidas para rescindir os acordos de investimento atualmente vigentes (Salvatore e Gubeissi 2024). Na sua perspetiva, os países onde estão sedeados os investidores estrangeiros de Moçambique também têm a responsabilidade de apoiar estas ações, especialmente dado que podem remover referências às cláusulas de RLIE dos seus próprios tratados (Salvatore e Gubeissi 2024).

Maior supervisão regulatória

Foram implementadas algumas alterações para reforçar a supervisão do setor energético. Em julho de 2022, a Lei da Eletricidade, o instrumento legal para a eletrificação em Moçambique, foi atualizada (Lopes 2024). Esta lei visa refletir as dinâmicas sociais, técnicas e financeiras em Moçambique, com destaque para a energia renovável e para o aumento da participação do setor privado no fornecimento de eletricidade (Lopes 2024). Também determina as entidades responsáveis pelo processamento das candidaturas à concessão para a importação e exportação de eletricidade através da ARENE e estabelece um Energy Cadastre, que contém informações sobre o abastecimento e fornecimento de serviços energéticos (360 Mozambique 2022). Esta lei atualizada foi bem recebida globalmente, especialmente em matéria de melhoria da transparência e aumento das ligações energéticas (360 Mozambique 2022).

Howe et al. (2024) também indica que o governo de Moçambique é visto como estando a adotar uma abordagem proativa ao desenvolvimento de reformas jurídicas e regulatórias, especialmente em matéria de energia verde (Howe et al. 2024). Isto inclui o desenvolvimento da ARENE como uma autoridade independente (Howe et al. 2024). No entanto, o alargamento da responsabilidade da ARENE para inclui o setor fora da rede significa que está sobrecarregada e, enquanto uma instituição nova e, à data de 2022, não estava a funcionar com a alocação de pessoal total (Howe et al. 2024).

Para lidar com este e com outros desafios em curso, o Africa Energy Portal recomenda a implementação de medidas adicionais para limitar o envolvimento do ramo executivo no desenvolvimento das estratégias a longo prazo da ARENE. Nomeadamente, exigir que o regulador reporte diretamente à legislatura (ERI 2022), o que ajudaria a preservar a sua independência operacional e a reduzir as oportunidades de corrupção política e captura de rendas. ERI (2022) recomenda ainda a proibição da nomeação de antigos funcionários de entidades reguladas como delegados da ARENE para mitigar influência indevida associada à "porta giratória". Outras recomendações incluem a imposição de requisitos ambientais, sociais e de governação (ESG) pelo governo no setor privado (Deloitte 2024).

A gestão do Fundo Soberano

Em 2028, prevê-se que os rendimentos das vendas de gás natural melhorem a sustentabilidade da dívida do país gerando financiamento para investimentos no país (Banco Mundial 2023). Para que a população em geral desfrute dos benefícios destes rendimentos, o Banco Mundial recomendou no seu Country Climate and Development Report (Relatório sobre o clima e o desenvolvimento do país) que Moçambique estabeleça um Fundo Soberano (FS) para garantir uma boa gestão dos rendimentos naturais, o que incluiria mecanismos de supervisão eficazes para garantir transparência e responsabilidade (Banco Mundial 2023).

Em 2024, o parlamento moçambicano aprovou uma lei para criar um FS que vai incluir todos os rendimentos de gás natural e de todas as descobertas futuras de gás (Sarmento 2024). Destina-se a promover o desenvolvimento económico e social do país (Sarmento 2024). O FS tem diversos controlos importantes para garantir a transparência e a responsabilidade, incluindo:

  • Uma conta transitória, localizada no banco central, para garantir que os rendimentos estão contabilizados e são geridos de forma transparente.
  • Foram aplicados os Princípios de Santiagob739365e4881 na criação do FS.
  • O FS não pode ser utilizado como garantia para contrair empréstimos por parte do Estado, nem pode ser utilizado para pagar dívidas nem financiar atividades políticas do partido.
  • Um relatório mensal irá publicar os montantes recebidos e a transferências recebidas e efetuadas pela conta. O Tribunal Administrativo irá auditar as instituições governamentais envolvidas na gestão do FS e as auditorias serão efetuadas por um auditor internacional independente, que irá publicar as demonstrações financeiras.
  • Será criada uma comissão de supervisão (incluindo membros da sociedade civil) para supervisionar a gestão do FS (Sarmento 2024).

O FMI considera o FS um "passo importante para garantir a transparência e uma boa gestão dos vastos recursos naturais" em Moçambique (Club of Mozambique 2024). Espera-se que este mecanismo salvaguarde os lucros do setor dos recursos naturais da corrupção e que impeça o estado de aumentar a sua dívida (Club of Mozambique 2024).

Recuperação de ativos e sanções

O governo moçambicano fez recentemente melhorias na sua estrutura de recuperação de ativos através do Regulamento de Gestão de Ativos Apreendidos ou Recuperados a Favor do Estado e através da criação de um novo gabinete de recuperação de ativos (Prusa 2020; Club of Mozambique 2024). Isto promoveu, por exemplo, a cooperação em 2024 entre o Vice-procurador Geral de Moçambique e o Procurador-Geral de Jersey, que levou à devolução de 829 500 libras a Moçambique num acordo de devolução de ativos (Governo de Jersey 2024). As verbas foram apreendidas a um cidadão moçambicano que tinha previamente ocupados altos cargos públicos e tinha depositado num fundo em Jersey subornos recebidos por contratos públicos (Governo de Jersey 2024). Outras recomendações propostas pelo Civil Forum for Asset Recovery (CiFAR) são que a comunidade internacional exerça maior pressão externa através da imposição de sanções, incluindo sanções secundárias, ou que as entidades empresariais internacionais implicadas nos escândalos de corrupção doméstica em Moçambique deixem uma mensagem clara que não haverá impunidade para a corrupção em Moçambique (Prusa 2020: 10).

Melhor diálogo com as comunidades locais

Um estudo do setor dos recursos naturais em Moçambique concluiu que as campanhas de informação foram eficazes na consciencialização e informação da comunidade sobre a descoberta de gás natural e que estas podem aumentar a responsabilização reduzindo, simultaneamente, a probabilidade de violência (Armand et al. 2019). As campanhas de informação foram efetuadas por líderes e cidadãos locais, seguidas de reuniões com cidadãos para discutir prioridades de política pública para a comunidade em relação ao futuro dos projetos de gás natural (Armand et al. 2019). Os autores recomendam que o governo se envolva de forma mais eficaz com as comunidades locais.

A avaliação da EITI (2023: 9) observou, com base em consultas dos intervenientes e em indícios disponíveis, que as oportunidades para a participação de cidadãos variam largamente entre regiões. Em Maputo, as organizações da sociedade civil (OSC) têm oportunidades para participar na defesa das reformas em curso nas indústrias de extração (EITI 2023: 9). No entanto, em parte devido ao conflito atual, em áreas como Cabo Delgado, as oportunidades para a participação de cidadãos são limitadas (EITI 2023: 9). Assim, a EITI (2023: 14) recomenda que as comunidades em todo o país sejam informadas e capacitadas dos seus direitos e benefícios.

O International Institute for Environment and Development (IIED 2002) recomenda que o desequilíbrio de poder entre as comunidades locais e as empresas multinacionais seja resolvido. Para tal, a descentralização de parte das decisões mostrou ser útil em diversos países, com os governos locais a assumirem funções importantes na supervisão de acordos (IIED 2002). Os grupos da sociedade civil também podem ser mediadores importantes para permitir o fluxo de informações entre o governo, as empresas e as comunidades locais (IIED 2002: 209). Uma melhoria no diálogo e na consulta das comunidades pode levar a uma melhor distribuição da riqueza entre as comunidades e à redução da apropriação de terras. Um provedor independente também pode agir como terceiro para ajudar a resolver as disputas de terras.2c8400729f34

Por fim, em termos de transição energética verde, o desenvolvimento de projetos energéticos na comunidade pode aumentar a confiança dos investidores (através da mitigação dos riscos de possível conflito) no setor, bem como melhorar a propriedade local de projetos do setor energético (Howe et al. 2024). O investimento na propriedade local e em competências, especialmente na produção de energia verde, é considerado um passo importante no futuro energético de Moçambique (Deloitte 2024) e no fornecimento de soluções fora da rede a comunidades rurais.

Uma mudança responsável para fontes de energia renovável

Gaventa (2021) considera que as expectativas de "gás para desenvolvimento" em Moçambique foram goradas e provocaram conflito e instabilidade. Os custos da produção eólica, solar e de outras renováveis são atualmente inferiores à produção de gás novo na maioria das regiões, o que vai alterar o futuro da procura de gás (Gaventa 2021: 13). O autor recomenda que o país contemple fontes de energia renovável alternativamente, para evitar uma sobredependência do gás (recomendando ainda atenção aos créditos de carbono dos projetos florestais, uma vez que estes podem agravar os conflitos territoriais existentes).

Assim, os parceiros internacionais, financiadores e as instituições financeiras de Moçambique deve reavaliar as suas pressuposições sobre os alegados benefícios de desenvolvimento de gás e redirecionar o seu apoio financeiro para setores económicos mais inclusivos e sustentáveis (Gaventa 2021: 28). Estas sugestões também se refletem no relatório do BTI (2024: 43) que recomenda que a economia moçambicana diversifique e se afaste da extração de recursos naturais e megaprojetos para obter um crescimento sustentável. O investimento em fontes de energia renovável é considerado particularmente importante para o desenvolvimento de áreas rurais (Cristóvão et al. 2021).

  1. Esta categorização refere-se à classificação de países e grupos de empréstimo do Banco Mundial.
  2. O setor energético é um setor vasto. Esta resposta do serviço de assistência analisa a extração de recursos naturais para produzir energia, fontes de energias renováveis e o fornecimento de eletricidade gerado por estas fontes, bem como a forma de distribuição e transmissão pelo país.
  3. Para mais informações sobre o "escândalo da dívida oculta", consulte The Costs and Consequences of the Hidden Debt Scandal in Mozambique (2021).
  4. No entanto, nos anos 1980, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) impuseram políticas de mercado livre e privatização o que, segundo algumas fontes, contribuiu para a situação atual (Hanlon 2022).
  5. Para mais informações sobre as consequências do escândalo de corrupção, consulte Costs and Consequences of the Hidden Debt Scandal of Mozambique (2019).
  6. Segundo a definição da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) (s.d.), os governos fornecem créditos de exportação oficiais através de ACE para apoiar os exportadores nacionais na concorrência em vendas externas. Estes podem ser instituições governamentais ou empresas privadas que atuam em nome do governo.
  7. A apropriação de terras pode ser definida como o controlo de dimensões de terra superiores ao normal por qualquer pessoa ou entidade através de quaisquer meios para fins de especulação, extração, controlo de recursos ou comoditização à custa das comunidades locais e da sua soberania alimentar e dos seus direitos humanos (Baker-Smith e Attila 2016).
  8. Os Princípios de Santiago foram desenvolvidos pelo grupo de trabalho internacional de FS e visam promover a transparência, boa governação e responsabilidade nas atividades de FS (IFSWF s.d.).
  9. Para obter mais informações sobre como lidar com o conflito entre as comunidades locais e as empresas de exploração mineira, consulte o relatório da IIED sobre as comunidades locais e as minas.

References